Adriana
Amaral - Vacuidade
Para
um ocidental, distante da tradição budista, o sentido da palavra vacuidade é
incompreensível e isso pela simples razão de vivermos sob uma lógica que nos
impele a jamais pararmos de gerarmos pensamentos. A todo instante elaboramos um
encadeamento de ideias, de sentimentos, de imagens mentais que nos impedem de
sequer admitir a possibilidade de nosso cérebro parar de pensar nem que seja
por um brevíssimo lapso de tempo.
Compreender
o sentido do estado de vacuidade requereria ao menos uma disposição para
perceber o funcionamento de nosso corpo, acalma-lo, senti-lo. Para o monge
Ajahn Buddhadasa, na vida de todo mundo, mesmo daqueles sem qualquer
treinamento, há um momento muito curto, quando a mente está livre, quando a
mente está sem qualquer sentimento de positivo ou negativo, quando a mente não
está agarrando nada como ‘bom’ ou ‘mau’. E essa é a felicidade mais alta
alcançada, quando a mente é completamente liberta de todas as coisas que têm
poder sobre ela, que a influencia, que a apanha em armadilha, que empurra seus
botões e assim sucessivamente[1].
Não
é por outra razão que o título da instalação fotográfica de Adriana Amaral é Vacuidade. Ali nos vemos diante de um
vazio, de um silêncio. Pouco ou quase nada temos a falar sobre o que vemos. São
três fotografias montadas uma ao lado da outra em um ambiente escurecido. Cada
uma apresenta a frontalidade de uma janela cuja paisagem exterior é vista por
meio de uma espécie de grid. O verde
das plantas é então esquadrinhado e percebido através dos vidros embaçados pelo
tempo. A vista da janela não oferece um mundo em perspectiva.
O
trabalho de Adriana Amaral coloca-nos diante de um outro modo de percepção das
coisas, a partir de um estado de suspensão em que nada apresenta-se como
tangível. O silêncio que atravessa as imagens parece dizer respeito a um tempo
que nunca mais poderá repetir-se existencialmente a não ser por meio de
fotografias. Por essa razão Roland
Barthes define o espaço da imagem fotográfica como o lugar, por excelência, do
particular absoluto, da contingência soberana: “Nela, o acontecimento jamais se
sobrepassa para outra coisa: ela reduz sempre o corpus de que tenho necessidade
ao corpo que vejo”. Ainda segundo Barthes, para designar a realidade, “o
budismo diz sunya, o vazio; mas
melhor ainda, tatbata, o fato de ser
tal, de ser assim, de ser isso; tat
quer dizer em sânscrito isso”[2].
O isso a que faz referência o trabalho de
Adriana Amaral aponta para o próprio lugar representado: as janelas com vista esquadrinhada
de um jardim. Aponta para o modo como
Adriana investe na densidade dos afetos, como trilha um percurso em que o desafio
está em ver-se diante de si mesma e de sua relação com o mundo.
Em 2013, a artista
realizou Dias e Noites, em que reuniu
fotografias, instalações, uma projeção de filme Super 8 e objetos, todos
ocupando a casa onde viveu por 40 anos com seus pais. As fotografias, em
especial, foram realizadas na casa meses antes de ser tomada a decisão de
encontrar outro lugar para seus pais viverem. A exposição tratava do
significado simbólico implicado na ideia de não mais habitar aquela casa com
todas as memórias ali resguardadas e, ao mesmo tempo, da ruptura, do desapego
necessário para perceber-se como não mais pertencente àquele lugar.
Vacuidade vem
em seguida e traz a densidade de um silêncio e a profundidade do vínculo da
artista com seu entorno. A casa já não é mais a casa. Agora tornou-se memória
afetiva de um lugar de vida. O silêncio - aquele brevíssimo lapso de tempo ao
qual a artista se permite – está impregnado na imagem fotográfica, na imanência
do tempo capturado.
Carolina Soares