Adriana Amaral começa a
desenvolver trabalhos em fotografia em 2003. Desde então, seu interesse não
parece estar no simples revelar das superfícies das coisas. Em sua investigação
a imagem fotográfica ganha uma dimensão quase visceral como se a ela fosse possível
alcançar uma parte mais interna de tudo que está em seu entorno. O mundo ganha
um aspecto menos real, menos denso, para assemelhar-se ao que se pode chamar de
onírico, termo que não por acaso intitula um de seus trabalhos de 2006. Também em Paisagem
verão, de 2007, Sem título (Série
Azuis), de 2007, Paisagem Inverno,
de 2008, e Releitura de Kichner, de
2009, a camada mais visível das coisas torna-se cada vez menos espessa. A
partir desse último ano, o trabalho de Adriana Amaral parece ganhar sua maturidade.
A maneira como alia a diluição das formas e o colorido intenso resulta no
interesse em tratar não apenas a fotografia em si mesma como detentora de
memória, mas também testando o quanto o meio fotográfico é capaz de dar conta
de nossas memórias em seu estado mais insólito.
Em seus trabalhos mais recentes, embora as superfícies das coisas se
apresentem de maneira mais concreta, sua dimensão onírica parece persistir como
em Entradas, de 2011, ao isolar
portas do todo arquitetônico do qual fazem parte.
Em seu processo, ainda
que opte pela instantaneidade do meio fotográfico, Adriana Amaral traz para seu
trabalho um tempo de elaboração mais estendido, mais reflexivo. Em 2013,
realiza a individual Dias e noites
organizada na casa habitada por seus pais por 49 anos. Esta exposição pode ser
analisada como uma espécie de site-specific
pelo modo como a artista pensa o próprio lugar: o estado atual de sua estrutura
física e as memórias afetivas que a artista carrega da casa que viveu por 40
anos. Todo o trabalho foi pensado enquanto processo, detendo atenção sobre o
transcorrer de uma história que cada um carrega consigo. Assim, o trabalho
busca estabelecer diálogos específicos com os aspectos visíveis de uma
temporalidade impregnada na pintura das paredes, no piso desgastado e na
estrutura dos móveis e objetos que ali permaneceram, deslocados, como
testemunhos de outra época vivida.
O que você guarda tão bem guardado que até esquece de
que tem? é realizado em 2014.
Neste trabalho, a artista tece uma rede de afetos. Primeiro entra em contato
com pessoas de seu círculo de amizades e lança a pergunta título do projeto. Em
seguida, ela fotografa o objeto escolhido por cada pessoa, mas não se trata de
apenas uma tomada fotográfica. Essa é também a oportunidade do encontro, da
conversa. A elaboração da pergunta, a escolha do objeto pessoal e o encontro
desfazem convenções que acabam por deslocar a possibilidades das intimidades.
Desde Dias e noites, faz-se curioso o
modo como Adriana investe na densidade dos afetos trilhando um percurso em que
se coloca no desafio de colocar-se diante de si mesma em sua relação com o
mundo.
Os dois projetos mais
recentes são testemunhos dessa tomada de decisão: Vacuidade e Sem título. O
primeiro, incentivado pelo ProAc, trata-se de uma exposição individual,
realizada no Museu de Arte de Ribeirão Preto Pedro Manuel-Gismond, e que pode
ser compreendido como um desdobramento de Dias
e noites, reunindo três fotografias em uma instalação. A proposta é
elaborada a partir do conceito budista de vacuidade que está relacionado ao curto
e fugaz instante entre um pensamento e outro, o que nos permite experimentar um
potencial sem limites para aberturas. O segundo pode ser
entendido como uma performance em que a artista, após cortar seus cabelos,
guarda-os em uma caixa laqueada de preto, coloca-a sobre a mesa, produzida a
partir do modelo de uma que fora do consultório médico de seu avô, e a
fotografa. O gesto da artista nos leva a refletir sobre o peso dado às coisas: sonhos,
expectativas, responsabilidades, problemas, etc. O trabalho insiste na
possibilidade de desconstrução de apegos aos quais somos sujeitados ao longo de
nossa vida.
Carolina Soares