Adriana Amaral

Daqui onde estou já fui embora, 2017/18


Daqui onde estou já fui embora

 

Daqui onde estou já fui embora é uma instalação composta por som, projeção e impressão de imagens, que resultou da experiência em um casarão de 1853, onde escravos e famílias abastadas viveram. O título faz menção ao verso presente no livro Sobre Nada, de Manoel de Barros. O exercício realizado na casa permitiu pensá-la como organismo vivo, com uma respiração constante e sons fantasmáticos, capturados na madrugada. Ao longo de 10 dias, às 5 da manhã, instantes fugidios, enaltecidos pelo ambiente silencioso, calmo e tranquilo do casarão, foram registrados em som e imagem, na ocasião da Residência SOMSOCOSMOS, na fazenda São João, em São José do Vale do Rio Preto, Rio de Janeiro.

 

No momento em que todos dormiam, os roncos, as respirações ofegantes, e outros ruídos do casarão – como o ranger das madeiras do chão – pareciam órgãos internos em funcionamento, a exemplo de intestinos e estômagos que emitem sons por vezes involuntários. O barulho do relógio e o gotejar da pia se assemelhavam ao incessante pulsar do coração. Além disso, a condensação da respiração dos residentes embaçava os vidros das janelas, fornecendo imagens que, para mim, aproximavam todos os tempos do casarão do século XIX e me faziam pensar nas pessoas que passaram por alí, incluindo a mim mesma, que deveria deixá-lo em breve.

 

Com meus dias contados, observava os sons da casa e as respirações dos diferentes momentos de sua história, que alteravam, mesmo que de maneira muito sutil, seu ambiente sonoro e visual. As imagens indicavam a presença de corpos e arquiteturas não visíveis, próximo do que Francesca Woodman disse sobre o segredo do passado : "todas as paredes antigas têm seu segredo, elas o protegem. Eu gosto de ouvi-las. É preciso saber como domá-las, senti-las, tirá-las. Temos de arrancar o passado, raspar a história antiga."

 

Em algumas imagens, paredes, janelas, objetos e a vegetação, funcionam como guardiões de segredos do casarão. Como se após algum tempo, preservassem, também, a presença ou a passagem do indivíduo no lugar.

 

 

Adriana Amaral