Daqui onde estou já
fui embora
Daqui onde estou já fui embora é uma instalação composta por som, projeção e
impressão de imagens, que resultou da experiência em um casarão de 1853, onde
escravos e famílias abastadas viveram. O título faz menção
ao verso presente no livro Sobre Nada, de Manoel de Barros. O
exercício realizado na casa permitiu pensá-la como organismo vivo, com uma
respiração constante e sons fantasmáticos, capturados na madrugada. Ao longo de
10 dias, às 5 da manhã, instantes fugidios, enaltecidos pelo ambiente
silencioso, calmo e tranquilo do casarão, foram registrados em som e imagem, na
ocasião da Residência SOMSOCOSMOS, na fazenda São João, em São José do Vale do
Rio Preto, Rio de Janeiro.
No momento em que todos dormiam, os roncos, as
respirações ofegantes, e outros ruídos do casarão – como o ranger das
madeiras do chão – pareciam órgãos internos em funcionamento, a exemplo de
intestinos e estômagos que emitem sons por vezes involuntários. O barulho do
relógio e o gotejar da pia se assemelhavam ao incessante pulsar do coração. Além
disso, a condensação da respiração dos residentes embaçava os vidros das
janelas, fornecendo imagens que, para mim, aproximavam todos os tempos do
casarão do século XIX e me faziam pensar nas pessoas que passaram por alí,
incluindo a mim mesma, que deveria deixá-lo em breve.
Com meus dias contados, observava os sons da
casa e as respirações dos diferentes momentos de sua história, que alteravam,
mesmo que de maneira muito sutil, seu ambiente sonoro e visual. As imagens
indicavam a presença de corpos e arquiteturas não visíveis, próximo do que
Francesca Woodman disse sobre o segredo do passado : "todas as paredes
antigas têm seu segredo, elas o protegem. Eu gosto de ouvi-las. É preciso saber
como domá-las, senti-las, tirá-las. Temos de arrancar o passado, raspar a história
antiga."
Em algumas imagens, paredes, janelas, objetos e
a vegetação, funcionam como guardiões de segredos do casarão. Como se após
algum tempo, preservassem, também, a presença ou a passagem do indivíduo no
lugar.
Adriana Amaral